A Espiritualidade da Quaresma
Celebrar a Quaresma é reconhecer a presença de Deus na caminhada, na luta, no trabalho, no sofrimento e na dor da vida do povo! É reviver a caminhada do povo de Deus que andou 40 anos antes de chegar à Terra prometida, terra da promessa onde corre leite e mel; é fazer como Jesus que passou 40 dias em retiro antes de anunciar a vinda do Reino e subir à Jerusalém para cumprir a missão que o Pai lhe confiou: dar a sua vida e ser glorificado.
A Quaresma é um tempo forte de conversão, de mudança interior, tempo de deixar tudo o que é velho em nós, tempo de assumir tudo o que traz vida para a gente, em nossas comunidades e na sociedade. Tempo de graça e salvação, onde nos preparamos para viver, de maneira intensa, livre e amorosa, o momento mais importante do ano litúrgico, da história da Salvação, a Páscoa, Aliança definitiva, vitória sobre o pecado, a escravidão e a morte.
Para muitos, é apenas um tempo triste em que se canta e medita sobre os sofrimentos de Jesus, que morreu pelos pecados da humanidade; tempo de pedir perdão a Deus e fazer penitência. Todavia, a característica fundamental do tempo quaresmal não é o de ser somente um tempo de jejuns, mortificações e sacrifícios para que os cristãos participem dos sofrimentos de Jesus na Cruz. O que marca a Quaresma é, sobretudo, sua dimensão pascal: caminho para a Páscoa. Celebrando o acontecimento salvador da morte e da ressurreição de Jesus Cristo, a Igreja celebra o novo nascimento dos que serão batizados, renova a vida dos que foram batizados e a reconciliação dos pecadores arrependidos. Assim, a caminhada quaresmal prepara e ensaia a grande festa da Páscoa. Sem esta ligação, a Quaresma perde a sua força espiritual.
Celebrar a Quaresma é, antes de tudo, experimentar a presença e comunicação da graça salvadora através das celebrações litúrgicas. É tornar presente as muitas manifestações de Deus na história. É renovar a profissão de fé no Deus libertador que o povo eleito fez durante a escravidão do Egito: “... nós clamamos ao Senhor, Deus de nossos pais, e o Senhor ouviu a nossa voz e viu nossa opressão, nosso cansaço, nossa angústia, e o Senhor nos libertou do Egito...” (Dt 26,4). É também celebrar a busca da humanidade inteira por autêntica libertação, justiça e paz. De repente, toda a experiência penitencial, todo clamor dos povos, todo esse combate contra o pecado pessoal e social do mundo, todo esse esforço de seguir Jesus no “caminho da Cruz”, começa aos poucos, a dar seus frutos... os efeitos da passagem de Deus já vão se fazendo sentir... as alegrias da Páscoa já se anunciam... É que a Terra Prometida, o Mundo Novo, feito de homens e mulheres, gente liberta e salva, solidária e fraterna, já se esboça no horizonte.
Celebrar a Quaresma é juntar-se em mutirão, como povo de Deus, em busca da verdadeira libertação. A dimensão comunitária da Quaresma é, no Brasil, vivenciada e assumida pela Campanha da Fraternidade. Assumindo cada ano uma situação da realidade social, nos ajuda a viver concretamente a experiência da Páscoa de Jesus nas páscoas do povo. “Assim como outrora Israel, o antigo povo, sentia a presença salvífica de Deus quando Ele o libertava da opressão do Egito, quando o fazia a atravessar o mar e o conduzia à conquista da Terra prometida, assim também nós, novo povo de Deus, não podemos deixar de sentir seu passo que salva, quando se dá o verdadeiro sentido do desenvolvimento, que é para cada um e para todos, a passagem de condições de vida menos humanas para condições mais humanas... Menos humanas: as carências materiais dos que são privados do mínimo vital e as carências morais dos que são mutilados pelo egoísmo... Mais humanas: a passagem da miséria para a posse do necessário, a vitória sobre as calamidades sociais...” (Medellín, introdução).
A Campanha da Fraternidade se torna assim um dos elementos quaresmais que nos ajudam na preparação pascal. “A Igreja propõe como tema da Campanha deste ano: Fraternidade e Tráfico Humano, e com o lema: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Deste modo, a Igreja deseja suscitar em toda a sociedade uma conscientização maior da dignidade da vida humana. A Campanha da Fraternidade é um convite para nos convertermos e irmos ao encontro de todas as pessoas que estão sofrendo.
Acolhamos este tempo de graça e salvação.
Fr. Adalto Antônio